segunda-feira, março 29, 2010
Como se escreve o vento?
Como se escreve o vento?
Com palavras soltas, desgarradas? Com sonhos altos e baixos que flutuam?
Como se escreve o vento?
Que eu sei como o sinto mas não o sei escrever.
Que sei que se enrola em mim e me beija e me acaricia e me aconchega.
E que às vezes chega doce e outras não.
Que às vezes passa por mim, faz-me uma festa e outra e segue. E outras fica colado à boca, ao corpo.
E outras leva-me tudo.
Como se escreve o vento que dança um tango a solo? Que serpenteia à minha frente e à volta. E que na volta me traz o mesmo sabor fresco que me deu à ida.
Como se escreve o vento que me trás o mar e me enche o peito? O mesmo que me leva com ele até ao céu. O vento que é meu e só meu por um instante.
O vento que me leva o fumo do cigarro amargo da boca. O vento que leva os beijos que lanço. O vento que agora está e agora não.
O vento que eu não sei escrever é o vento que me empurra à noite. É o vento que me diz que aguento. Que consigo. Que não vou parar agora.
O vento que me agarra e me tapa a passagem. O vento que é vento e que é uma aragem.
Este vento aqui à minha frente que faz dançar as folhas nas árvores. Que faz ondas no jardim e que deixa o lago inquieto.
Como eu, que não sei escrever o vento mas que quando o sinto, o deixo escrever por mim.
De memória:
A tentar pôr a escrita em dia
sexta-feira, março 26, 2010
Noite agitada
Os animais estavam todos na quinta até que um violento incêndio deflagrou. Ouviu-se um grito: corram; temos que salvar os animais. É preciso evacuar toda a gente e pô-los a salvo. Entraram os piratas disfarçados. Queriam os animais mas ninguém lhes disse onde estavam. Nem o policia que com a sua voz grossa dava até vontade de rir. De repente, irrompe pelo ar uma mota ninja que salva os animais e os leva para o pé de uma estrutura pós moderna longe dali. Toda colorida, era o local perfeito para uma quinta de substituição. Na garagem, o camião tentava entrar à força até que rebentou com o telhado fazendo-o voar como se levantado por um furacão.
Estando o problema resolvido, os animais a salvo, o incêndio extinto e os piratas longe dali, faltava só acabar a rampa para o sr. da cadeira de rodas que não conseguia subir escadas.
Depois... depois a mãe disse que estava na hora de dormir. Arrumámos os legos, eles lavaram os dentes, vestiram o pijama, xixi e cama.
Mais um beijo e mais um beijo e mais outro e ficou o dia fechado. Amanhã há mais e de certeza que vamos ter novas aventuras.
quinta-feira, março 25, 2010
eu e tudo à volta
Raios partam a folha branca.
Nem se enche de letras nem muda de cor. Nada. Está aqui especada. A olhar para mim. A ela não lhe devo nada e a mim... Talvez. Pelo que preciso de escrever como de respirar. Pelo que estive em apneia meses a fio e agora voltei. Pelo bem que me sabe. Pelo mal que me faz. Pelo ar que me traz. Pelo que me apazigua e me acalma.
A ela devo-lhe tudo. Da ideia que fui ao que sou.
Entro aqui e procuro a paz. Procuro o tempo.
Deixo-me embalar pelo vento, irado, revolto, mas ao mesmo tempo, solto, livre. Sem compromissos, nem atalhos nem caminhos. Sem virtudes. Aqui volto sempre a mim. Ao que fui, ao que sou.
Não tenho hora marcada e tenho sempre lugar. Não marquei, apareci.
Aqui sou só eu e a bendita folha branca que amo e odeio e venero. Aqui na folha por onde serpenteio. Aqui na folha onde tudo cabe sem saber de onde veio.
Aqui sou eu.
Aqui sou só eu. Eu e o que trago comigo. As malas cheias de ideias. Soltas, mal arrumadas, empurradas à força.
E acabo sempre por me esquecer de alguma coisa.
Não há viagem nesta folha de papel para onde consiga levar tudo e para onde acabo por trazer pouco.
Não sei quem vou encontrar pelo caminho e a maior parte das vezes dou de caras comigo e isso é bom.
Gosto de me ver quando me deixo aqui. Parado, quieto. Como o vento solto e revolto que não sai do lugar. Gosto de me ver pintado na parede dos dias.
Diz que disse 27
Ao jantar.
Ele: pai, tenho comichão.
Eu: onde filho?
Ele: no pé.
Eu: e então?
Ele: posso comichar?
[ataque de riso familiar]
De memória:
Diz que disse
segunda-feira, março 22, 2010
O céu, o sol e eu
Sou o sol no céu.
Sou só eu se tiro uma letra ao sol e outra ao céu.
Só eu.
No céu com sol, o céu, o sol e eu.
Sou eu.
De memória:
Tinha mesmo que escrever isto
amanhã
Tenho os olhos frios
Tenho o corpo gelado
Tenho a alma suja
E um poema rasgado
A mão dividida
Entre o dar e o querer
Um sonho e dois mundos
O fazer e não ser
Tenho a boca fechada
Um desejo calado
Tenho um peito que bate
Um dormir acordado
Tenho as lágrimas todas
Tenho o tempo perdido
Tenho um dia adiado
E o querer está despido
Tenho sede, tenho fome
Tenho um grito sem nome
Tenho a noite e o que queria
Amanhã tenho outro dia
De memória:
Desabafos
sábado, março 20, 2010
Feito do que fui
Dia após dia o cenário piora. Dia após dia, mais curvado e perto do chão. Mais desequilibrado e mais trôpego. Cada vez as palavras custam mais a sair. Cada vez mais tenho menos. E cada vez menos me esqueço do que tive. Dos colos, das festas. Das palavras novas como “sucessivamente” por exemplo. Os cinemas ao domingo e as viagens de comboio. As tardes em Belém. A música.
Lembro-me de me sentar ao pé dele, de manhã, a ouvir o Pão com Manteiga. E quando ele se ria, eu ria-me também. Não fazia mal rir-me sem perceber. Se ele se ria era bom para rir e isso bastava-me. Nem queria perceber. Para quê?
Só queria estar ali.
Lembro-me de um velhinho gira-discos que tinha feito a guerra e que era para mim um troféu tê-lo no quarto. Herdei os discos de 45 rotações e as primeiras coisas que me lembro de tocar foram Elvis, Pat Boone e Otis Redding. E tocaram tanto.
Lembro-me de me apertar a mão à dele para não me perder. De me abraçar e me encher de beijos. De me ensinar a desenhar as letras, a contar, a pensar. Lembro-me de o ver chorar mas acima de tudo, de o ver rir. Rir muito. Um riso honesto, contagiante. Lembro-me da sua voz clara e de ser o mais forte. Sempre foi o mais forte, o maior, o mais doce e o melhor pai que alguém poderia ter.
E ontem de manhã a minha filha ofereceu-me um desenho que dizia: Pai, és o maior do mundo. E muito querido.
E então eu pensei que sou feito do que fui. De como o meu pai me desenhou o caminho e me deixou caminhar. De como me deixou magoar quando deixei as rodas pequenas da bicicleta para aprender a não me magoar mais. De como me deu espaço para crescer para que pudesse avaliar a área do que quero. De como me ensinou que as ferramentas nunca são demais. Que o saber não ocupa lugar e que quanto mais soubermos mais ricos nos tornamos.
Lembro-me de me deixar sonhar sempre. De não cercear as ideias fantásticas que tinha e de saltar comigo para dentro de um pequeno avião mágico que fazia com 2 bancos de cozinha.
Lembro-me de me ter deixado no aeroporto para poder viajar sozinho com 8 anos. Se ele não podia ir, que fosse eu e aproveitasse. E fui.
Lembro-me de correr Alandroal acima e abaixo sonhando que por aquelas ruas tinha ele brincado, corrido e saltado.
Lembro-me de vibrar com cada história da guerra. Cada minuto de aventura, de bravura e de loucura. De como aquele imaginário o transformava aos meus olhos num herói. De como me orgulhava.
Lembro-me de tudo como um filme que passa numa tela grande.
E quando me lembro, olho e vejo uma sombra do que foi. Ali sentado.
Cada vez mais curvado e perto do chão.
De memória:
Desabafos,
Tinha mesmo que escrever isto
sexta-feira, março 19, 2010
Reflexo
Do outro lado tenho uns olhos abertos.
Querem que eu escreva o que não disse. Que me entregue aqui.
Que dispa o dia e tudo o que não interessa. Que me ponha a nu sem que o corpo arrefeça. Que diga em palavras doces o que ficou por dizer. Que sirvam para embalar quando o corpo quiser dançar. Que me deite e adormeça.
Querem fechar-se enquanto escrevo. Sonhar enquanto ouço ao longe o mar. Querem que descreva as ondas que chegam e as ondas que vão. Querem tudo numa linha e numa linha um trovão. Querem estremecer-se de emoção. Querem que aqui deixe toda a paixão. Todas as paixões. Todas as mínimas sensações.
Olhos abertos que me assustam. Que me pedem tudo o que lhes possa dar e não querem nada que os faça chorar.
Querem estes olhos que os faça levitar. Que os deixe soltos no ar.
Com 3 linhas de texto não querem mais ficar no chão. Querem sonhar com letras que escrevam amor e ir buscar outras que escrevam paixão.
Querem emoções desfiadas, alinhadas; letra após letra, espaço em cima, espaço em baixo. Querem que digam ao mundo tudo o que eu acho. Sobre o quê? nem sempre importa desde que o diga da forma certa e que não deixe nenhuma ideia à porta.
Querem estes olhos que não tiram os olhos de mim que faça de mim caminho e que os leve do princípio ao fim.
Querem estes olhos encontrar aqui o que sinto e o que penso. E o que vivi.
Não importa se foi hoje, ontem ou noutro dia qualquer. O que importa é que escreva e que escreva até doer. Que me esgote, que me entorne, que me derreta por fim.
Porque estes olhos são os meus e sou eu que olho para mim.
De memória:
Tinha mesmo que escrever isto
domingo, março 14, 2010
Ama
Ama
Ama e sente
Ama e sente e dá
Ama e sente e dá tudo o que tens até não saberes o que fazer. Desfaz o emaranhado de nós que te apertam. Liberta-te. Liberta o que sentes. Dá com a língua nos dentes. Conta uma mentira. Sobe ao fim do céu e lança um papagaio feito com o papel onde te escrevi. Deixa voar o que te disse. Deixa as palavras ganharem asas outra vez e voarem para longe.
Diz que me amas que me queres que não pensas noutra coisa, em mais ninguém. Que não sonhas senão comigo. Que este teu castigo te dá prazer. Que o que sentes não faz doer.
Diz que olhas para mim quando eu não vejo. Que suspiras quando me ouves. Que entras em casa e só me queres ver. Que me admiras. Que me amas sem perceber. Diz tudo o que quiseres quando estivermos os dois. Diz-me baixinho, ao ouvido, que queres ficar quieta, aninhada, abraçada a mim. Diz-me que sim.
Diz-me que te faço perder a razão. Diz-me que não. Que não és capaz de amar mais ninguém. Que só eu te conheço bem. Que ninguém te faz sentir assim. Se eu te amo? Claro que sim. E tu a mim.
Quero juntar os beijos todos que já demos para hoje tos dar num só
Juntar os abraços apertados e abraçar-te
Juntar as festas. Dar-te uma festa.
Quero dar-te hoje o mesmo que ontem. Olhar para ti e perceber que te amo. Que te amo muito.
Quero escrever o texto dos textos e oferecer-to como presente de anos.
Quero embrulhar o mar em papel reciclado e entregar-to com um laço apertado.
Quero fazer tudo o que quiseres. Mudar em mim o que tu não gostas; fazer a barba.
Quero olhar para ti o tempo que mereces e ver-te sorrir.
Quero dar-te outra vez o livro de poemas e ter tempo de manhã para tos ler.
Quero dar-te o livro do mar outra vez.
Quero encher a casa de post-its outra vez para escrever em todos eles coisas nossas.
Quero merecer-te todos os dias. Admirar-te. Fazer-te feliz.
Eu sei que às vezes não digo mais que 10 vezes por dia porque me esqueço mas sim, amo-te muito. Mais que a vida mais que o mundo.
De memória:
Tinha mesmo que escrever isto
sexta-feira, março 12, 2010
à espera
Que passe uma onda ou um barco
Que passe um pássaro grande e me leve com ele para longe.
Estou à espera.
Que o vento sopre mais forte que o vento e me leve com ele para longe.
Que uma nuvem baixa me envolva e me leve.
Estou à espera que passem todos os minutos por mim e me agarrem e me levem com eles para longe.
Estou à espera.
Que passem as horas e os dias todos até acordar lá longe.
Tenho pressa e não quero esperar.
Não quero que me levem, não quero ir. Quero estar.
Quero depressa. Quero já. Quero acabar antes de ter começado e gritar antes de ter falado.
Quero o fogo ardido antes de o acender. Quero o frio para me aquecer.
E depois quero voltar outra vez. Voltar a mim. Sentar-me no chão, ideias ao colo e ficar assim.
Não olhar para o lado e não olhar para trás. Seguir em frente se for capaz.
Virar uma página cheia de letras de um gole só. Levantar-me devagar e sacudir o pó.
Agarrar nos dias debaixo de braço e alargar o passo.
Andar depressa, correr, saltar.
Pintar os dias e escrever as noites.
Abraçar-me a ti sentir-te em mim.
Dar a mão de manhã. Dar um beijo. Dizer que te amo. Ouvir que me amas e dormir. Fechar os olhos e partir.
Amanhã acordamos os dois e somos 4 outra vez. Somos nós. Todos os dias outra vez.
De memória:
Desabafos,
Tinha mesmo que escrever isto
quarta-feira, março 10, 2010
Diz que disse 26
Isto é o que eles me pedem assim que chegamos ao carro. De manhã ou à tarde, Fratellis têm sempre lugar.
E hoje não foi excepção. Depois de um dia inteiro de reuniões, a mim apetecia-me ouvir qualquer coisa que isto me desse mas a eles não. A eles era Chelsea Dagger.E eu fiz-lhes a vontade.
Começa a batida, entra o baixo e a seguir o coro e eles - e eu - a cantar o mais alto que podíamos. Acaba o coro e começa a o vocalista.
E ouço o Digos: Pai, esta parte eu não sei. Não faz mal pois não?
Claro que nãoo filho.
E ele continuou: la la ra la la ra la la ra la ra la ra.
E eu ri-me.
De memória:
Diz que disse
isto é o que faço
Pinta-se de negro o céu e chega o frio
Encosto o meu corpo à noite e deito os olhos no rio
Tapo o dia com uma manta grossa e escrevo tanto quanto possa
Fecho os olhos uma e outra vez. Ouço um choro.
Levanto-me e corro devagar. Não era nada. Só um sonho mau a querer acordar.
Volto aqui, ao rio e a mim.
Volto a ti e a ti e a ti e a ti também.
Volto ao frio. Fumo um cigarro. Agarro nas letras e disparo.
Apanho uma ideia, uma frase, um sorriso, um dislate. Um disparate.
Agarro no que ouvi e soou bem para começar.
Agarro um olhar daqueles que falam tanto e com palavras doces como por exemplo, amar.
Deito no papel as letras que conheço, escolho um monte delas e tropeço.
Começo outra e outra vez até que os olhos se fecham de cansaço.
Agarro em mim, duas chapadas e um abraço.
Escreve, que diabo. Que há quem espere umas letras tuas.
Há quem se queira perder em todas as luas.
Então eu escrevo.
Escrevo por mim, para mim e pelas noites todas sem luar.
Pelos sorrisos que estas letras podem fazer brotar.
Escrevo por necessidade. Para esvaziar o caixote e para que não me esmague a ansiedade.
Escrevo por ter sede e por querer palavras novas.
Uso estas, ficam gastas e vou procurar outras que sejam castas.
Que nunca tenham servido a ninguém numa frase como a minha
Que sirvam para embalar uma estrela que esteja sozinha.
Que aqueçam uma alma que seja. Que façam alguém fazer alguma coisa que se veja.
Que mudem o modo de viver a alguém perdido que não se quer perder.
Que dêem vontade de gritar. Que façam rir ou que façam chorar.
Palavras que não sejam amorfas e provoquem uma reacção. Que entrem e encham ao mesmo tempo a alma e o coração.
Queria escrever e já escrevi. Perdi o norte, o sul e os sentidos mas deixei tudo aqui.
Pesei cada verbo bem pesado e dei-lhe um novo significado.
Desligo os olhos e o que me vai cá dentro e fica o dia fechado.
terça-feira, março 09, 2010
Bull(shit)ying que é pénalti!
Começo – antes de começarem a chover pedras – por dizer que sou pai. Sou pai de 2 crianças lindas, maravilhosas, únicas, especiais, magnificas e a quem nunca, mas mesmo nunca, quero que aconteça uma brisa de maldade que seja. Quero protegê-las dos maus, grandes e pequenos, como quero protegê-las das desilusões, dos desgostos de amor, dos mal-formados, dos mal-amados, dos bandidos e de todos os que possam olhar de lado e pensar que sendo mais fortes, lhes podem fazer mal.
Feita a introdução, começo então a desfiar o que me passa pela cabeça quando ouço falar em bullying. E o que me passa pela cabeça são uma data de disparates – como seria de esperar.
Penso que os tempos mudaram, que o mundo mudou, que há 30 anos atrás o estado de coisas era substancialmente diferente. E penso no quanto se ganhou, no quão mais facilitada está a vida, quão mais democrática e livre e quão mais intensa. Mas penso também no quão mais pobre está tudo. De espírito, pobreza de espírito, quero eu dizer.
O que nos leva ao bullying em termos genéricos. Desde que me lembro, crianças mais pequenas fugiram a 7 pés dos maiores. Desde que me lembro, os “grandes” roubavam a bola aos mais pequenos. Desde que me lembro, os maiores sempre levaram vantagem e os pequenos ou eram mais rápidos ou mais tarde ou mais cedo ia tocar-lhes qualquer coisa. Lembro-me de ser pequeno e contar ao meu pai isto e aquilo e lembro-me de ser grande. Se calhar fui vítima de bullying ou fui bully mas a verdade é que sem terminologia técnica, limitei-me a ser pequeno até ser grande.
E o que me faz hoje confusão é a capacidade que a sociedade tem de conseguir transpor para fora de casa toda a responsabilidade. Exigem-se leis, maiores e mais eficazes acções do sistema educativo, mais atenção por parte dos professores e aqui e ali, uma maior atenção por parte dos pais. Maior atenção? Se tem que ser maior é porque há pouca e nesse caso, meus amigos, é ter mais. Sou pai, como disse, e não concebo essa noção do “dar mais atenção aos sinais”. Não é normal – é aliás, perfeitamente anormal e lamentável – que uma criança de 12 anos se mande ao rio para acabar de vez com o tormento. Não se admite, não se compreende e dá vontade de chorar. Mas se o sistema educativo fosse mais eficaz, a legislação mais apertada e o controlo por parte da escola mais rigoroso, seria isso capaz de evitar a tragédia?
Podemos, como tantos têm feito, especular sobre a vida daquela criança. Sobre o seu comportamento, o dos colegas, dos professores e dos pais. Podemos mas pela parte que me toca, não o farei. Ninguém deve perder um filho muito menos uma criança. Não sei se já tinha dito mas sou pai.
Mas também fui filho. Dos pequenos e dos grandes. Brinquei na rua sem supervisão de um adulto, apanhei e atirei pedras, paus e o que mais houvesse. Subi a árvores e andei de bicicleta sem capacete. Corri as ruas do meu bairro de manhã à noite. Sujei-me – muito – e fiz sangue. Nas pernas, nos braços, nos joelhos, nos joelhos, nos joelhos (nos joelhos fiz mesmo muito sangue), na barriga e na cabeça. Fiz 30 por uma linha e safei-me. Mudei de passeio vezes sem conta e fui dar voltas maiores para não ter que passar aqui ou ali. Fazia parte. Desenrascava-me como podia e sempre, mas sempre, com o objectivo de não levar na corneta, não ficar sem a bola, sem o estojo novo ou a mochila. Esse era o objectivo. Se desse para cumprir, óptimo, senão, queixinhas ao pai que resolvia a coisa o melhor que sabia e podia.
Mas isto quando era pequeno. Já em grande, também devo ter enfernizado a cabeça a uns quantos miuditos mais pequenos, também lhes devo ter tirado a bola quando tinham que ir para casa só para chatear, para dar uns toques ou até que o pai, diligente, eloquente e muito maior que nós, aparecesse.
Tudo isto fez parte do meu processo de crescimento. Tudo isto fez com que percebesse que tive o melhor pai do mundo (que eu quero ser para os meus filhos) que me defendeu e me ensinou a defender (e a correr como o diabo também). O pai que me proibiu de levar brinquedos caros (que eram poucos) para a escola porque podiam roubar. Que me deixava levar o estojo fixe com íman para a escola mas só de vez em quando. O pai que me deixava levar uma bola para a rua mas das foleiras porque a de cauchu, só quando ia jogar comigo. Sim, o meu pai ia jogar à bola comigo, ia brincar comigo, passava tempo comigo. Lia os sinais em regime diário.
Tudo isto fui eu.
Não havia sistema educativo vigilante nem responsabilização da ausência de leis adequadas. Havia filhos e havia pais. Havia casa e havia a rua.
Não havia playstations e wiis a partir dos 5 anos, jogos de porradaria em barda a partir dos 7 (ou antes que o puto até tem jeito). Havia telejornais mas lá em casa, isso era coisa de adultos e à hora do jantar conversava-se e ouvia-se música. Cá em casa também. Não havia palavrões à minha frente e cá em casa, é assim. Não havia discussões inflamadas e cá em casa, só no Benfica-Sporting se houver um pénalti não assinalado.
Aos meus filhos dedico todo o tempo que posso e não confio que seja a escola a ter que dar-lhes as ferramentas todas. Terá que dar algumas garantidamente mas não todas. Sou eu quem tem que estar atento aos sinais e não posso esperar que sejam os sinais a bater-me na testa.
Não sou melhor nem pior que os outros pais. Sou assim simplesmente.
Por isso toda esta discussão acerca do bullying me faz soltar um bullshiting.
Psiquiatras, psicólogos, pedopsiquiatras, pseudo-intelectuais, bananas, meninos agredidos e agressores; já todos tiveram os seus 15 minutos de fama e a ver pela entrevista do Sousa Tavares, cheira-me que era rapazinho para ter dado uns sopapos nos putos mais pequenos.
Porque hoje, admito, é mais fácil ligar a televisão aos fins de semana de manhã e dormir mais um bocadinho do que sair do quentinho Sábado à mesma hora de segunda. Uma pessoa anda cansada. Os dias são cansativos. São reuniões atrás de reuniões, projectos atrás de projectos, portátil em casa (eu e ela) em estilo call center até às tantas, às vezes dia sim dia sim. É cansativo e exigente. E ser pai? Haverá maior responsabilidade? Haverá tarefa mais hercúlea? Haverá maior trabalho que conduzir uma criança (duas ou mais) até que saiba andar sozinha?
Dá uma trabalheira desgraçada. Há dias que apetecia mesmo, mas mesmo mesmo enfiá-los na máquina de secar (que tem o tambor maior) e dar-lhes só umas voltas a ver se acalmavam. Dá vontade mas cá em casa a máquina é ambivalente e o tambor pequenino. Nem à vez lá cabiam.
E de uma penada é isto. Que o bullying de hoje são “os grandes” de ontem e do que os sinais de ontem são os mesmos de hoje. E que às vezes, o bullying começa onde menos se espera: em casa.
Segredos? Não há segredos. É estar. “Passar tempo” em vez de “perder tempo”. “Brincar com” em vez de os “deixar a brincar”. “Falar com” em vez de “ouvir qualquer coisa” em ruído de fundo. “Ouvir” o que têm a dizer e “perceber” o que pensam, “como” pensam e “porque” pensam assim. É abrir os olhos.
Porque de olhos abertos tanto se percebe uma criança infeliz como um pénalti clarinho muito para lá da linha da grande área.
De memória:
Desabafos,
Tinha mesmo que escrever isto
sábado, março 06, 2010
Esquerda baixa
Este é o meu palco
Aqui, folha na mão, branco à frente è espera que me leve. Aqui, onde as palavras esperam que me entregue. Aqui ou noutro qualquer lugar, onde encarno alguém que não sou. Ou será que sou o personagem que visto?
Será que inverto os papeis? Será que me dou, me presto ou me empresto à figuração?
O que será que faço quando escrevo? Sou eu todo ou a parte de mim que não tem medo?
Serei eu próprio e o que sinto ou o que alguém quer ler esta noite? Serei eu a fazer figura de actor ou o mundo todo nesta cabeça enrolado como uma bola de neve? Serei eu?
Será que o homem que deixa tudo aqui é o mesmo que amanhã sorri?
Às vezes sou, outras vezes é.
De memória:
Desabafos
quinta-feira, março 04, 2010
House Special
A 4 dias dos Óscares, aproveito a euforia e começo assim:
Obrigado, não… sério..muito obrigado….. não estava mesmo nada à espera... vocês são maravilhosos.... e eu... não a sério.. sentem-se por favor...vá lá..obrigado. obrigado.
Não tenho muito tempo e quero acabar como o Roberto por isso cá vai: quero agradecer em primeiro lugar aos realizadores Papai e Mamãe que há 38 anos acreditaram que este projecto tinha pernas para andar. Depois quero agradecer à minha mulher que nos últimos 15 anos tem sido amiga, confidente, “o” juízo, a loucura, e nos últimos 6, a melhor mãe do mundo. Quero agradecer aos meus filhos que são a minha inspiração, a minha sabedoria, o meu mimo e o meu abrigo quando nada mais parece proteger-me. Quero por fim agradecer aos meus amigos. Aos 4 que me enchem a alma desde há muito, aos que me conhecem há mais ainda e que a vida separou, aos que se têm cruzado comigo e ficado comigo e a todos os outros – estou já a acabar – que por um motivo ou outro entenderam ser merecedor do seu tempo e do seu carinho. Quero agradecer as vossas palavras, os parabéns, os telefonemas, os mails, as mensagens e as muitas horas de conversa. O que sou e o que consegui, é por causa de vocês. É por ter podido beber em cada um o que de melhor tinham para dar. Por tudo isso, muito obrigado; vocês fazem-me ser uma pessoa muito feliz.
Haverá melhor prémio que poder ser assim ?
Como dizia o Roberto: I love you all. Obrigado.
Joana Ferro de Carvalho
Pim
Digos
Ana Farate
Vitor Rodrigues
Cândida Perfeito
Manuel Patarrana
André Freitas Do Amaral
Marina da Costa
Pedro Vasconcelos
Sandra Barata
Cláudia Silva Lopes
Marco Reixa
Rita Siborro
Ana Sofia Gonçalves
Raquel Farate
Catarina Mané
Renata Soares Martins
Fernanda Miguens Almodovar
Sandrine Pires
Luis Diniz
Filipa Taxa de Araújo
Cristiano Cavalieri
João Rui
Marion Almodovar
Marta Comalat
Andreia Ferreira
José Barros
Renato Correia
Ana Catarina Pereira
Yeti Orlando Martins
Inês Laranja
Gigi Malato
Raul Reis
Fernando Brum da Silveira
Gravata
Tiago Gonçalves
Giselle Hopffer
Leonor Matias Cruz Bento
Alexandra Félix
Pedro Manuel Viola Busca
Nuno Graça
Ana Seoane
Sofia Batista
Joana Santos
Rita Vieira Pereira
Maria D’Orey
Rosário Gonçalves
Nuno Machado
Sónia Vigário
Petra Lopes
Carla Ferreira
Vanessa Viegas
Rita Batista
Cristina Bernardo
Ratinho
Sérgio el Comandante
Sofia Correia
Richard
Lu
Mary John
Filipa Pereira
Migas
Gi
Estiveirinha
Filipe
Nuno Graça
Texx
Cristina Reis
Ervilha
Mariana
Luis Rochartre
Ana Raquel
Sandrinha
Raquel Nogueira
Carolina
Miguel Silva
Vitor Simões
Fátiam Simões
Susana Piteira
Nelson Soares
Ana Cidra
Maria
Xana
Paulo Amaral
Katia
Gonçalo Santos
Marta Piedade
Miguel Batista
Mariana Sousa e Silva
João Pereira
Ana Rita Matias
Pipas Fontes
Teresa Fernandes
Marta Amorim Candeias
(e acho que estão todos)
terça-feira, março 02, 2010
Sinto
Aqui dentro é o deserto. Estou longe e estou perto. Deitado na cama acordado, sinto que o mundo se perde e fico cansado.
Que estou e estou mesmo de tudo o que sinto, do que digo para dentro; se não digo, rebento.
Dorido, mordido, pés hirtos. Mãos doridas de agarrar as cordas. Volto sempre ao mar mesmo se tu não voltas.
Redondo no fim, fechado em mim, durmo um favor de umas horas parado. E estou cansado.
Levanto-me vezes sem conta; mais uma palavra que me atormenta e que me afronta. Mais uma palavra que me agride. Se não disser não conta. Se a sentir só eu não chega a ninguém. Morre e vai para o céu.
Fica quieta a brilhar, uma estrela a passar, uma onda sentida. Mais um dia. É a vida.
E quando me repito fico aflito. Quando me encontro fico tonto. Quando te vejo é o desejo. Quanto te toco.
De memória:
A tentar pôr a escrita em dia,
Desabafos
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