quarta-feira, abril 19, 2006

As coisas como elas são


Muitas vezes advoguei que a desculpa do “sou assim” como argumento último de não mudar era uma desculpa falaciosa. Era – e é – só uma desculpa para não fazermos um esforço para mudar, para inverter o sentido de algumas coisas e para “deixar estar”.
A verdade é que, se há muitas coisas que podemos – com mais ou menos esforço – mudar, há outras que pura e simplesmente não podem ser alteradas. Por muito que se queira, que se deseje. Por muita força que façamos, por muito pensamento positivo ou boas vibrações que queiramos provocar, há coisas que são como são. Como a finitude da vida. É imutável, inegável e não é há volta a dar. É assim porque é assim.
Se há coisas que são como são, esta é uma delas.
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Ao fim de um tempo, por muito que não se queira, começa a impregnar-se o hábito. Entra no ritual de todos os dias vê-la assim. Frágil, magra, doente. Não que pareça que sempre foi assim – porque nunca o foi – mas não custa tanto como da primeira vez.
Ao mesmo tempo – apesar de toda a consciência – começamos lentamente a pensar se algo não terá mudado? Se não haverá volta a dar? Se o fim é mesmo agora ou um bocado mais tarde? Se por um acaso clínico-químico não terá despoletado uma reacção qualquer que faça inverter e/ou estabilizar as coisas?

As coisas como elas são nem sempre são como nós queríamos que fossem. Mas é assim que elas são. É assim.

quarta-feira, abril 12, 2006

ignorance is bliss


aqui diversas vezes se elogiou o banal. Curiosamente, foi sempre a propósito do mesmo tema: a pim-pim. Provavelmente é a inocência das crianças que nos leva ao mais puro dos olhares, mas não é só. São também as histórias menos felizes, as desilusões, os reveses da vida. E é disso, é sobre isso que me apetece falar. Não sobre as agruras, as desilusões ou os reveses, mas sim sobre o que isso nos pode ensinar. Melhor; sobre o que isso me pode ensinar.

Às vezes são as coisas mais pequenas as que mais nos obrigam a olhar para isto tudo com outros olhos.
São as mãos dela encostadas ao rosto quando dorme, os dedos pequenos dobrados numa paz tranquila e tranquilizante. E são as mãos da mãe. São iguais. É o doce cheiro da pim-pim a seguir ao banho - e esse é único. Faz-me pensar no quanto vale a pena esta rendição diária em prol de um carro, de uma casa com vista para o mar e de milhas e mais milhas no passaporte. e depois há sempre aquela ideia do Alentejo. Quente e despovoado. Puro. Feito de rugas e tempo e mais tempo. Há sempre a vontade de ir e deixar para trás isto tudo.

Gradualmente cresce em mim uma vontade de ter mais tempo para ver crescer a minha filha em detrimento da conta bancária.
Ver as flores, as nuvens. Olhar para o céu sem parecer um doido no meio de uma avenida a olhar para o ar. Não é só o ar. É o tempo todo do mundo numa nesga de sol.
Às vezes dá vontade de parar tudo e deixar o olhar percorrer para lá da janela o mundo todo sem ter que acabar de o ver à pressa para se mandar um e-mail e ligar ao cliente simpático que nos vai dizer banalidades que não queremos ouvir. Até porque nem temos tempo. às tantas o homem até tem algo de interessante para dizer. Mas eu não tenho tempo. Quero chegar a casa cedo para brincar um bocadinho com a princesa antes que a mãe nos mande ir tomar banho. Quero ter tempo para dois abraços grandes e apertados. Para dizer amo-te a uma e amo-te a outra. Em tempos diferentes. Cada uma a seu tempo, a seu ritmo próprio. Isto em vez de um amo-te muito - de fugida - com a mais pequena ao colo com ciúmes do beijo que dei à mãe.

Não consigo dormir mais de 6 horas por dia. Sinto sempre que há mais alguma coisa a pensar, a escrever, a programar, a ver. Há mais um pedaço de informação que pode fazer falta. Mais um cigarro para fumar à varanda. Mais dois barcos que se cruzam na barra do Tejo. Quem vai lá? Quantos são? São felizes? Vêm de onde? Para onde é que vão? Há sempre um turbilhão de ideias para pôr no papel, para escrever no [ai-dia], no bic cristal. Há sempre um milhão de páginas por abrir na Internet. Pessoas e mais pessoas que cruzam os olhos com os meus e outras tantas que nem sequer me viram passar. que história terão para contar? que histórias lhes vão na cabeça? Com o que é que sonham? Percebem o mundo como eu? Vendem-se como eu? O que é que querem?

Passo por ti na auto-estrada. És tu? Podias ser sabias? Nós não nos conhecemos. Não sabemos quem somos. Estes todos que aqui andamos. Vamos aqui deixando lágrimas e suspiros. Sorrisos e gritos surdos que acabamos por nunca dar. Qual é o preço disto tudo afinal? Desta falta de mimo latente, crescente; quanto custa isto tudo? Quanto nos custa? Há quanto tempo não olhas lá para fora e te deixas levar por uma estrela? Quantas vezes não te apeteceu já parar o carro na marginal para ver o sol pôr-se ao longe? Gozar só uma vez aquele bocadinho de magia? Não perder os olhos nos carros da frente e nos de trás. Quantas vezes te apetecia acordar cedo para beberes o dia todo? Sorver cada gota de sol? Abraçar cada pedaço de vento? Quantas?

Cada folha de árvore seca é uma vida que já foi forte e que acabou. Cada pedra que cabe na palma da tua mão já foi um bocadinho do mundo.
Há quanto tempo não vês as flores?

segunda-feira, abril 10, 2006

Doich


Sábado, 8 de abril. A pim-pim faz dois anos. Uma semana de telefonemas, reservas, cattering. Escolhe o menú de x euros. Escolhe o outro. Afinal não vale a pena que os putos não comem tanto como isso. Afinal comem. E animadores, há? Há. Pinturas faciais e escultura em balões. E o espaço? É giro? Tem uma piscina com bolas e escorrega e labirintos e bolas gigantes e tem sol. De manhã? De tarde? É melhor de manhã. É sempre melhor de manhã para dormir a sesta à tarde. E será que vai dormir com a excitação? Mas tentamos.
Faz-se o convite, manda-se por e-mail. Não recebeste? Oh pá, eu mando outra vez. Não recebeste outra vez? Então pronto, é sábado a partir das 10 e meia. Sabes onde é? Se te perderes liga.
E chega sábado. A pim-pim acorda. Eu e a mãe fazemos a festa. Ela ri-se. Quantos anos fazes filha? Doich. Boa amor. Parabéns. Lêti. A mãe vai aquecer o leite. Vá filha, papa. Vamos para a festa.
Mas ainda falta ir buscar o bolo e as velas e os sacos para as prendas dos putos. E mais? Não falta nada. A caminho toca o telefone. Já chegaste? Não, ‘tamos quase. Há quem chegue antes mesmo da aniversariante. Mas é uma festa de putos e o protocolo ficou - de comum acordo - na gaveta. Ninguém liga. Os putos chegam e chegam e chegam. O volume aumenta. Os balões voam pelo ar. As bolas da piscina também. É a loucura. Há saltos para a piscina de fazer arrepiar o mais desprendido dos pais. Razias monumentais. Os pães de leite chegam? E os croquetes? É melhor pedir mais. Mais uma prenda e mais uma prenda e mais outra e esta que gira. Munto gi’o.
A festa acabou. Estamos nós mais de restos do que ela. Ela, aliás, nem sequer dorme a sesta.
Quando se tem um sorriso destes permanente, vale mesmo a pena.


Fazemos outra amanhã? Chim. Tonta. Agora só para o ano filha.