terça-feira, setembro 28, 2010

Diz que disse 40

Ao jantar, conversamos os 4 sobre o dia de cada um (leia-se, sobre o dia deles que nós não temos grande direito de antena).
Num ataque – frequente – à lá Roberto Begnini de “I Love you all”, o Digos começa a dissertar que ama muito a mãe, e o pai e a mana, e os avós e os amigos.
Nós rimo-nos e retribuímos.
E ele: “E vou casar com a mãe a com a Pim.”
E nós rimo-nos.
E ele: “E vou casar com o pai”
E a Pim muito depressa: “Não podes Digos. Não podes casar com o pai que o pai é menino.”
E ele: “Posso posso.”
E ela: “Não podes não. Só os gays é que podem.”
Todos:(......)
Eu: “Gays? O que são os gays, Pim?”
Ela: “São meninos que casam com outros meninos.”
Eu: “OK Pim” como se me tivesse contado algo completamente novo que só ela sabia.
E o jantar prosseguiu na paz do senhor, com mais conversas e histórias.

(Por muito que não olhe para o calendário, há certas e determinadas coisas que me relembram o ano em que vivemos, a época em que vivemos e as mudanças do mundo à nossa volta.)

Diz que disse 39

Não são raras as vezes em que, em vez de infernizarem a vida um ao outro e consequentemente aos pais, o Digos e a Pim brincam juntos sem incidentes de maior.
Ontem, escondiam-se à vez. A dada altura passo no quarto e lá está ele: braço à frente dos olhos, encostado à parede, ainda nem um metro de gente a gritar alto e bom som:
Ele: “um… dois… três… quatro… seis…”
Eu: Oh Digos… quatro… cin…
Ele: “cinco”
Eu: “seis”
Ele: “seis”
Eu: “mais…”
Ele: “(....) outro”
Acho que ainda é cedo para dizer mas parece-me que números não é com ele.

Diz que disse 38

De manhã, no carro à ida para a escola, a Pim conta uma história ao irmão. Um príncipe e uma princesa (quase sempre elenco residente) vão passear e mais não sei quê e de mãos dadas e são namorados e depois:
“… e então vão para fazer sexo.”
Eu: “vão fazer o quê Pim?” – com o ar mais entediado do mundo como se a nobreza tivesse decidido ir jogar cricket.
Ela: “vão fazer sexo pai. Não sabes o que é?”
Eu: “não estou a ver… é o quê?”
Ela: “é quando o menino e a menina tiram a roupa e vão namorar.”
Eu: “ah pois é…”
Ela: “já te lembras?”
Eu: “já filha, já me lembro”
E a história lá continuou noutro cenário, noutro contexto e desta vez, para menores de 18.

quarta-feira, setembro 15, 2010

Contido




Flor no chão à luz da lua
Tremida, vendida, cortada, rasgada

Sonhas em segredo
Conténs o sorriso
Os olhos escondidos e a boca fechada
Não falas, não gritas, não dizes nada.

Não me olhas nos olhos com medo de ti e mastigas os dias em silêncio.

Escondes a paixão que não sabes explicar
Sobes ao alto, pico de loucura.
Ouves os pássaros de manhã num piar constante. És um mutante que ama e detesta. Que agrada e contesta, que vai e não vem.

Viras uma folha. Duas. Três.
E vais. Arrastada pelas horas que não sentes. Pelas palavras guardadas entre dentes. Pela língua que não soltas porque não sabes dizer.
Desejas; tens medo.
Sublinhas o bater do coração com uma caneta grossa que se veja. Que tu vejas. Que saibas que és tu quem vive por dentro.
Pegas fogo em ti e não te esqueces. Não me esqueces. Não me apagas num dia, numa vida.

Não te apagas num sopro.
Mas demoras.


Acordas e em silêncio ouves a noite respirar. Acordas no exacto momento em que não querias acordar.
Era perfeito esse sonho. Era perfeito o momento... e o sentimento.

terça-feira, setembro 07, 2010

Diz que disse 37

Na escola, uma auxiliar ia apontando para a cara e perguntando:
- O que é isto?
- A boca.
- E isto?
- As orelhas.
Então apontou para as pálpebras.
- E isto Digos, o que é?
- (…) Isso… isso é uma parte dos olhos
- Uma “parte” dos olhos?
- Sim. É normal que os olhos tenham partes.

quinta-feira, setembro 02, 2010

Diz que disse 36

Ao jantar, já não me lembro a propósito de quê, a Pim dispara:
- Mas mãe, isso não é apropriado!
Pára tudo. A minha Pim tem 6 anos e “apropriado”, não sendo palavra de uso exclusivo em defesa de tese, também não é muito comum numa criança de 6 anos.
- Tens razão Pim, não é. Mas diz-me: por acaso sabes o que é que quer dizer “apropriado”?
Riu-se algo timidamente e respondeu:
- por acaso até sei – com ar respondão e muito senhora de si.
- e então o que é que quer dizer?
- Oh… quer dizer… quando uma coisa… quando é… quando não é…
E eu a pensar: já te apanhei….
E ela:
- Uma coisa não é apropriada quando não é (pausa dramática) adequada.
E depois explicou à sua maneira mas bem, o que significava “apropriado” ou “adequado”.
Respondi: perfeito filha - e mais não consegui.
E pareceu-me que ficar orgulhosamente calado era o que de mais adequado poderia ter feito.