terça-feira, setembro 30, 2008

estou cansado

Estou cansado do futuro adiado e do banco hipotecado.
Dos fundos mal geridos e dos poços secos e feridos.
Estou cansado de não ver o sol a fazer brilhar os seus olhos grandes e os seus dentes brilhantes.
Estou cansado da má gestão e da sempre e autista politica de intervenção.
Da questão sindical e das greves no hospital.
Estou cansado do nuclear pacifista num reactor comunista. Do comunista mal amado que em que se tornou o capitalista estado. Estou cansado da globalização e da reacção que provoca. De ver na Suécia uma manifestação com uma marcha feita em sola de borracha do Paquistão.
Estou cansado do terrorismo assumido, da bomba inaudível que mata milhões. Estou cansado de túneis profundos e de falsificação de neutrões. Estou cansado das nacionalizações e das anunciadas recessões.
Do genoma humano descodificado que não é capaz de curar a doença que me tem atormentado.
Dos clones de ovelhas e de partes de ratos que não garantem mais amor nem sapiência, nem menos dores a quem sofre maus tratos.
Estou cansado dos artistas boémios, rebeldes, pertinentes e cheios de paixão que dão 2 gritos no escuro e fazem disso uma intervenção.
Estou cansado da novidade que se anuncia como a viragem que tem que ser feita e do presidente que há-se ser a cura da próxima colheita.
Estou cansado de concursos que premeiam a pequenez humana e dos outros que dão dinheiro às fatias a quem come numa hora o que muitas crianças não comem em dias.
Da escalada de violência que nos consome e da violência que se ignora de quem tem fome.
Estou cansado da corrupção com desmantelamento anunciado num juízo adiado.
Estou cansado da notícia pequenina que ninguém lê e de quem nunca pergunta porquê?
Estou cansado dos analistas que têm sempre opinião e nunca gritam: acção.
Do D. Sebastião – o da esquerda ou o da direita - que nunca se há-se chegar à frente enquanto a crise estiver à espreita.
Estou cansado dos tablóides que colocam na capa quem nunca disse nada de jeito porque queria meter a mulher e a sogra no leito.
Estou cansado das sensibilidades mal geridas, das pessoas que são falsas e quase quase sempre, “emocionalmente feridas”.
Estou farto das histórias tristes que fazem chorar as pedras da calçada e da felicidade propositadamente adiada.
Estou cansado das carpideiras.
Do choro fácil e soluçado numa falta de protagonismo ensaiado.
Estou cansado de me doerem os olhos quando vejo o que não quero. Do que sofro quando não dou tudo que tenho e me escondo atrás das sombras de um objecto estranho.
Estou cansado de ouvir banalidades amplificadas pelo poder de quem nunca soube o que era aprender.
Estou cansado que ver passar por mim as mesmas caras sombrias que nunca se abrem para dar os bons dias.
Estou cansado de Forças de Manutenção de Paz pela contradição que este nome trás.
Das armas inteligentes criadas por grandes mentes.
Dos génios oprimidos que criam novos comprimidos.
Estou cansado do investimento em botox e em cosmética que não ajuda os que esperam na fila por uma fatia de pão numa embalagem hermética.
Das experiências médicas mal sucedidos onde não se dá conta quando se perdem vidas.
Estou cansado do domínio etéreo da televisão e de quem não pensa numa solução.
Estou cansado.
E então eu pergunto: quanto custa ser feliz?

quinta-feira, setembro 25, 2008

3 dimensões (obrigado Marion)




Sair de baixo do lençol do silêncio para apanhar frio na alma? Não me perece nada boa ideia. Fico no quentinho das ideias e nada nem ninguém me vai obrigar a apanhar correntes de ar na massa cinzenta.
Para quê afinal?
Bem sei o bom que sabe uma palmadinha no ego – ao de leve que o ego é fraco. E aí dá vontade de tentar outra vez. Pôr o coração a debitar letra atrás de letra naquele jogo de juntar sílabas e consoantes do mesmo tom. Mas... eu sei lá o que hei-de fazer com tanto ponteiro e tão poucos traços.
Lembro-me de fazer isto por prazer vezes sem conta e amordaçado outras tantas. Às vezes cheio de dores que até o teclado se queixa. Outras cheio de tanto “feliz” que encandeia.
E de tantas vezes tentar usar as cores certas nos lugares certos. Como a banda sonora escrita para aquele momento. Lembro-me de tentar fazer música com isto.
E diz um outro menos surdo que resulta. Que sabe bem.
Nunca tive um estádio cheio com 500 páginas a assistir nem fiz acústicos para uma plateia de bolso. Nunca experimentei fazer a coisa ao vivo.
Acho que sou daqueles que só funciona em estúdio. Eu e uma folha. E letras em montes.
E o céu aberto sobre mim. Se chover melhor. Se for de noite então. E se for uma noite chuvosa de Verão?

E então lá vão uns por outros ouvindo os sons das palavras na sua cabeça. Vozes diferentes, é certo, que na minha o narrador é sempre o mesmo. E não sou eu.
E quando as letras dizem o que querem em inglês, de boca muito fechada e arrastando-se como à saída de um bar, dizem-se em americano. A voz é a do rei lagarto. Não sei porquê mas é sempre a ele que lhe calham as locuções. Se calhar tem tempo.
Esfrega uma mão na outra para limpar a areia da ampulheta que partiu em 71 e sem rede, sem ensaio, agarra-se às minhas palavras e arrasta-as pelo microfone.
“He drags them down straight from the gutter. Dirty as trash – but never worn out – he speaks out, loud as hell, near my heart, near my brain and it looks like a door to the mind in the desert. Thirsty, waiting for some blood to keep the road passing underneath my mind.”
E são palavras assim que o ouço dizer.

(E quando penso nisso penso que a diferença entre heart e hears é de uma letra apenas. De um T empertigado e vistoso para um S torcido sobre si próprio, envergonhado. Será o coração que fala pleno de propriedade e as orelhas se limitam a deixar entrar qualquer som que se produza? Deve ser assim.)

Tenho andado de cabeça engripada, cheio de ideias mal curadas que não podem ver a luz do dia. Parece uma doença de falta de pigmentação no cérebro que não deixa o sol entrar, nem pelos poros do corpo. Tapado, de olhos virados para dentro, tenho vivido os dias como dantes mas agora, não sei porquê, há muito que guardo a noite para os pontos de luz na caixa. Alta definição de baixa qualidade intelectual. É o que tem apetecido. Empapar a cabeça até sentir escorrer pela orelhas o bolbo raquidiano e a massa encefálica. Tudo junto num cocktail intragável de viscosidade indescritível. E depois vou dormir.
Ando a perder grãos de areia é o que é.
E isso não pode ser. Tenho que voltar ao que era eu. Aqui especado de vez em quando sem saber que palavras pôr porque tenho vontade de as pôr todas. Sempre é melhor ter mais que menos e eu ainda tenho muitas guardadas aqui na caixinha em cima dos ombros.
É só voltar a levantar a tampa.

E as 3 dimensões?
3 planos para isto:
- pôr uma letra que fique bem entre 2 que já lá estejam
- usar as cores todas – mesmo que se repita uma ou outra para dar mais luz aqui ou ali
- respirar fundo, aumentar o volume e ligar o teclado ao disco interno (aquele que está aqui a fazer pum pum pum pum pum pum pum pum)

e se isto fosse um quadro? É melhor não.

terça-feira, setembro 23, 2008

Quem é o maior, quem é?


Aproveitando descaradamente a ideia de um amigo, ganhei pontos com a princesa. Passado que está o verão de toda a gente, veio esta semana de férias com 7 diazinhos para gozar do princípio ao fim. E como o fim do dia estava perfeito, lá fomos para a praia.
20 minutos depois, um parque inteiro para pôr o carro e uma praia inteira só para nós.
- Já viste filha? O pai reservou a praia toda só para nós.
- E aqueles senhores ali ao fundo?
(um casalinho de namorados na torre – agora – abandonada do pessoal das marés vivas mas com menos silicone, que estava ali só para me dar cabo do esquema)
- Estavam a guardar a praia como o pai pediu. Agora já se podem ir embora.
E não é que eles foram?
Quem é o maior, quem é?
- o Pai.
E fez aquele sorriso maravilhoso que rebenta de felicidade qualquer um.

É aproveitar agora que amanhã ela cresce é já não pega.

sexta-feira, setembro 19, 2008

Obituário?

Apetecia-me ser arrogante, insolente.
Dar-me mais importância que a que tenho e olhar de cima.
Aproveitar cada minuto.
Deixar para trás quem não me merece e não me respeita.
Dar um chuto nisto e ir à vida tirar meças. Pedir satisfações. Chamar-lhe puta.
Virar costas e decidir os meus dias. Ter a coragem de uma vida e tentar. Arriscar. Saltar do precipício sem temer o desconhecido. Ignorar o perigo de não se estar seguro. E se um dia acordar, olhar para baixo e perceber: olha... acabou-se.
Sou eu ali, deitado. Bonito o fato, mas eu preferia uma t-shirt. Daquelas minhas que me conhece o cheiro e as formas e que já devia ter ido para o lixo quando se descoseu no ombro.
Mas foi a partir dessa altura que mais me passou a apetecer vesti-la.

Merda pá. Não fiz nada.
Aguentei-me ali com medo. E agora olha, é o que se vê. Adiantou muito.

Mas fui feliz. E tirando hoje que só me apetece olhar para baixo, sou mesmo muito feliz.