domingo, fevereiro 28, 2010

Todas as noites espero por um beijo.

Por um sorriso, por um suspiro. Espero por uma festa, uma palavra. Um olhar que não me faça pensar em mais nada. Espero que venha e me aconchegue e me leve e me sossegue. Como um soprar na noite, um desvario de frio. Um ondular constante de folhas pelo chão. Um remoinho, uma emoção.
Todas as noites me encontro comigo que não sou eu mas podia ser, que não quer dar para não se perder. Que quer tudo e nada quer. Que sente e sabe e que não quer saber.
Com os olhos postos por cima do mar, desço o rio que chega na manhã. Vou embalado e acordado, acordando os momentos que não soube ser, as palavras que não quis dizer, os sonhos que não quis ter.
Vou andando, pé à frente pé atrás. Vou gritando que tanto faz. Vou sentido e pesado. Vou criando um sonho. Estou parado.
Caminho de nuvens negras, história de pedras pretas, palavras de vento feitas.
Nos olhos que há tanto não vejo brilhar, nos olhos em que eu quis navegar, na pele tão doce e amarga, nas mãos pequenas, na sombra larga, nos teus cabelos que me perco, no meu deserto nocturno, taciturno, moribundo. Era aqui que ela estava, aqui sentada e não me amava, não me queria, não podia.
Era eu e tu e o mundo à volta. O voar baixinho. O querer.
Éramos dois, três, quatro. Eram todas as pessoas. Eram feridas de doer a sério. Momentos de pensar em partir, querer dizer tudo e fugir.
Esconder-me debaixo de ti para que não me visses. Correr debaixo de um sonho em que não fugisses. Apertar-te o peito, ficar desfeito de amor outra vez; sentir-te o respirar, ver-te sorrir, ver-te chorar. Olhares para mim um só instante, deixares voar o peso do semblante e sorrires. Deixares-te levar e sorrires. Olhar para mim e sorrires. Partires outra vez desde o princípio, levar mais nada que a vontade e sonhar com a liberdade.
Correr descalço sem preconceitos, despir os deveres e vestir os direitos, deixar os avessos na porta do armário, comprar um livro pela capa e apregoar o amor num estilo panfletário.
Sentir tudo outra vez. Sentir como dantes, sem intervalos nem interrupções, sem pausas intermitentes nem constantes. Como dantes.
Sem correntes, só com a vontade. Sem horários, só com a vontade. Sem moral, ser normal.

Todas as noites espero um beijo, um sorriso, um suspiro.
Às vezes vejo-me ao espelho e sorrio. Depois suspiro e vou.

sexta-feira, fevereiro 26, 2010

...




Por uma vez serei honesto. Vou pôr no papel o quem me vai na alma e que se lixe o resto.
Porque estou farto de procurar palavras complicadas para brilhar. Eu só quero amar e amar e amar.
Quero viver os dias sem pressão. Sem ter que pensar se estou bem ou não.
Não quero saber. Ou escrevo por prazer ou não escrevo, por muito que me faça doer.
Ou assim ou nada. Ou é por gozo e sorrio para mim ou acabo aqui e é este o fim.
Porque estes textos são a expiação. São prazeres proibidos que me dão a mão.
Que me levam sempre para o mar. Que escrevo por amor e para amar.
Que escrevo porque amo e que raramente lê mas que se espanta quando se reconhece no que vê.
O que aqui deixo são partes de mim. Amores, desamores, o Digos e a Pim.
O que aqui deixo sou eu aos bocados. Partido e refeito com os olhos vendados.
Sou eu, mais ninguém. Sou eu sem desdém.
São os medos que uivam, são as dores que me apertam, as cerejas dos dias e o prazer que despertam.
Sou só eu, mais ninguém. É o retrato de alguém.
E se esse alguém sou eu como sempre afirmei, o que sinto é o que sou e o que sou só eu sei.

terça-feira, fevereiro 23, 2010

satisfeito não. cheio.




Tudo o que me enche são paixões, movimentos, sensações e sentimentos.
São momentos, intenções, são palavras, pensamentos.
Sinto-me cheio e nunca satisfeito, sinto-me inteiro e sinto-me desfeito.
Sinto-me bem sinto-me mal, sinto-me assim assado e coiso e tal.

Sei o que sinto e sei o que quero e às vezes não sei e então, eu espero.

Que venha uma luz, uma ideia, um sinal, que me dê um caminho para o bem e para o mal.
Que me deixe escrever sem ter que pensar, que me deixe sentir, sentir e amar.
Que me faça feliz, que me faça indiferente, que me faça sonhar sem que queira nem tente.
Que me leve liberto sem roupa nem nada, que me encha de beijos e com a alma parada.
Que me solte e me refreie, me prenda, me deite, nem sei.

Não queria pensar nem nada de nada. Só queria chegar ao fim desta estrada.

Como ao fim de um poema se chega sem ar e se chega tão cheio que não posso parar.

Há vontade e desejo, há um mundo, há um beijo.

Um princípio, um fim e um cheio ou vazio; ou assim assim.

Sede de dias mais quentes.

Ah que sede!
Do fresco dos dias no meio do calor. Do quente das noites. Do suor.
De um cigarro amargo a queimar os lábios. De um beijo molhado com sabor a sal.
Que sede do sol, brilhante e constante. Dos dias quietos em pleno Alentejo. Das pilha de livros, dos amigos, da praia.
Que sede! Que cheguem os dias compridos em que o sol me leva e me trás a tempo de ver o mar brilhar. Das esplanadas ao almoço, do trabalho arrumado, dos castelos na areia e das conversas. Das tantas palavras que se trocam. Das pessoas que se tocam. Da relva fresca depois do jantar, das fotografias ao mar, do verão.
Que sede da música no jardim, das corridas do Digos e da Pim, dos baloiços, do escorrega.
Escorregam os dias devagar até que chegue o tempo bom de fazer isto tudo. Escorrego eu por entre eles; com eles. Escorrego nos minutos soltos que perco. Escorrego em mim. Caio, levanto-me, não aprendo e não me rendo. Não me chega tudo o que faço e desdobro-me em ficções, em paixões. Desdobro-me na escrita, maldita, que me consome, que me tira a fome só por um instante e me deixa faminto para descobrir o que sinto. Que sede, que saudades, que raiva de não ter tempo para tudo o que o tempo quer que eu faça. Que nervos de não ter levado a máquina ontem de manhã quando as ondas faziam curvas e formas e rebentavam sempre diferentes. Sempre bonitas num minuto e depois, ausentes.
Entro nas manhãs com um sorriso e com vozes pequeninas a cantar.
E enquanto a temperatura não sobe, tudo o que sinto do que a água leva e não me dá, do que os dias querem e eu não dou; do que eu não me dou e não passa de vontade e do que eu não me entrego por querer sempre a verdade, fica pouco mais do que eu sou e não quero ser. Pouco mais de mim, pouco mais para ver, pouco mais para ler.

sexta-feira, fevereiro 19, 2010





Se me perco aqui, por ti,
se me entrego aqui, a ti,
não sou mais nada.

Digo e escuto e ouço e leio. Paro e penso e sou receio.
Avanço, recuo, apago, amuo.
Grito para dentro que não pode ser. Que não secou tudo o que tinha para dizer. Que não sou eu quem irá sofrer. Que não morro nem deixarei morrer.
Uso as palavras que conheço como armas de arremesso. Faço contra ponto da razão sem ter sequer uma explicação. Vou.
Às vezes vou sem querer, dou sem querer, sou sem querer.
Às vezes dói. Como golpes de papel – e outra vez o fantasma das letras – delgado e profundo.
Não posso chorar baixinho?
Qual é o problema se não consigo acabar uma ideia ao ponto de lhe dar verniz? Qual é o problema de não acabar uma história?
Como uma pedra que nunca foi rochedo memorável ou uma gota que nunca será água que se veja.
Que explicações devo a uma folha branca? Quantas noites ficarei ao frio por me sentir vazio?
Raios partam as palavras que guardadas são um tesouro e se as partilho, são duras como um pedaço seco de couro.
Servem o mesmo propósito e afiam lâminas como sentimentos. Afiam momentos.
Não penso nem verbalizo. Expio apenas o que sou. Lavo a alma neste mar de letras, nestas ondas de afirmações. Nestes momentos só meus.
Vagueio à deriva por não me encontrar. Procuro uma frase só que me faça recuar. Uma frase que me faça pensar. Passar por tudo outra vez.
Procuro o que tenho e não encontro. De tão bem guardado esqueci-me onde estava. Onde é que estavas? Aqui? Ao meu lado? Juro que não te vi. Desculpa.

quinta-feira, fevereiro 18, 2010

Diz que disse 25 (ou se calhar é melhor criar outra categoria)




Cheguei a casa depois de "evangelização" pelo país. Abro a porta e para os meus braços corre a princesa.
- Paaaaaai.... (abraço apertado) afinal já tenho um namorado
- (.......) Ah sim?
- Sim. É o Rodrigo (e não, não é o mano)

Os olhos grandes brilhavam e percebi como estava feliz
Mais tarde, antes de ir para a cama, perguntei:
- Eu sei que já tens namorado mas o pai pode ser o teu namorado cá de casa?
- Podes. Podes ser sempre o meu namorado cá de casa. Para sempre.

Eu amo esta miúda. (e o Rodriguinho que tenha juízo)

segunda-feira, fevereiro 15, 2010

Tudo o que vem com a chuva



O que a chuva traz são luzes. Reflexos de dias que já passaram pelos meus olhos. Traz o doce de a ver dentro de casa e o amargo de a sentir chegar-me aos ossos. Traz camuflagem para a dor.

O que a chuva traz são luzes. Brilhos de mil gotas que deslizam pelo ar. Traz-me outra vez o que não quero sentir. Traz-me os cheiros das noites mal dormidas e as fugas pelas ruas junto ao mar.

O que a chuva traz são luzes. Lampejos numa noite fria queimada de pontos brilhantes. Traz-me gente que não vejo e saudades.

O que a chuva traz são luzes. Cegueira incontornável de beleza pura. Traz-me todas as noites em que vi chover e traz-me a vontade de escrever.

O que a chuva traz são luzes. São estas luzes que me levam sem sair daqui, que me envolvem sem me tocar e me beijam. O que a chuva traz és tu que me dás e queria que fosse só meu. O que a chuva traz e leva é todo o azul do céu. E deixa-me aqui outras cores com que pinto a noite e o dia à espera de um beijo teu.

Diz que disse 24

Ao pequeno almoço, entre 2 torradinhas, um cappucino quentinho e uma monumental carrada de sono, a Pinzinha dispara:
- pai, o que é a consciência?
............……
em termos de despertares, este está seguramente no top10 dos mais eficazes.

domingo, fevereiro 14, 2010

Diz que disse 23

Agora vamos onde, pai?
Vamos dormir a sesta Digos. Tu e a Pim.
Agora 'tá de noite.
Não Digos, não está de noite. Olha lá para fora. É dia.
Se vamos d'umir, É CLARO que 'tá de noite.

sexta-feira, fevereiro 12, 2010

Se eu estiver de costas para o mar, no fundo da rua e sem respirar

Estou morto e com sono, nem de pé nem sentado; estou virado.
Estou irado.

Liguei e desliguei vezes sem fim o mundo da lua
Virei-me ao contrario e em mim só consigo encontrar uma noite nua

Consigo ver-me no céu, sentado no breu a com os olhos no chão.
Consigo fechar-me na cama, esconder as ideias e entrar no colchão.

Perder-me no canto do escuro, nos pássaros soltos que voam aqui
Estender-me de corpo esticado, em pé e sentado à espera de ti.

Não vens não sonhas não queres não sabes se deres o mais que há para dar
Se sentes se amas e mentes, se tens entre os dentes palavras e mar.

Não tens o que é mais preciso, que eu tenho e consigo dar até de mais
O amor que trago comigo e que é um castigo perder se tu vais.

Um dia eu amuo, não trago e não dou (se quiseres eu vou) para lá do que é meu
E espero, sentado e de pé, à beira de um sonho que sem ser já é.

Esvoaço no tempo e no espaço como a poesia se devia ouvir
Viagens doentes dementes, sem terra sem gentes para ser só sentir.

Constato – palavra complexa – que o tempo que dou a este tormento
É mais que demais que o que sinto não tem a expressão do que vai cá dentro.

Saber eu já sei, mas sendo eu que o sei, sou eu que o farei mais feliz ou não
Em mim eu fecho as janelas e os dias mais negros que trago na mão.

E por fim, para não me cansar, deitado a pensar em tudo o que ouvi
Dou um grito para dentro, apago o momento e começando outra vez, já não saio daqui.

faz [pouco] frio

Faz frio. Não muito mas o suficiente para me arrefecer ao ponto de ter de escrever. Faz frio ao ponto de me incomodar. Faz frio ao ponto de me querer aquecer aqui.
Preciso de virar uma página que me atormenta. Preciso de arrumar um livro que me pesa. Preciso de definitivamente fechar uma sala cheia de histórias. Ou de a abrir de vez.
Preciso de aquecer a cabeça e o silêncio das noites não me faz bem.
Às vezes precisava de me encontrar para encontrar outras coisas. Precisava de não me iludir e de me render à evidência da mais solene resignação. Que abomino tanto que tremo.
Ou então é o frio. Deve ser.
Gelam-me as mãos para deixar aquecer a alma e não fechar os olhos. Gela-me a boca para me silenciar. Todo eu tremo. Não sinto as letras que correm em mim. Apago e ando para trás a cada palavra porque nenhuma termina como quero.
Há dias que me sinto a perder o chão. A perder a razão.
Por mais que me encoste e me enrosque não aqueço.
Por mais que escreva não me aqueces. Por muito que queira, esmoreces. Porque há horas do dia que não fazem sentido, que não rimam umas com as outras.
Há horas do texto que não se acertam nem com vírgulas.
Há palavras que não fazem sentido ficarem de fora. Há silêncios contidos que não o deveriam ser. E há sempre tanto para dizer.
Quantas letras serão precisas para perceber?

quarta-feira, fevereiro 10, 2010

ar

Vamos lá então.
Tenho andado aqui a pensar – que é sempre uma forma “simpática” de começar um texto para quem esteve meses sem dar notícias – em meia dúzia de coisinhas que aqui podia deixar.
São ideias soltas e sentires que se vão acumulando e juntando até que não dá mais.
Sem ser por partes – porque indo por partes perde-se metade da piada – vou desfiando ideias com o nexo possível que a ventania cá dentro o permitir.

1ª corrente de ar (que já tinha soprado ao de leve):
De repente, num momento mais que esperado mas que nunca se quer que chegue, o reflexo por trás da porta de vidro já não sou eu.
Morre dentro de mim uma esperança que se acalenta e se leva no fundo dos bolsos envolto no cotão dos dias. Pedacinhos de tabaco que os maços de cigarros largam com a vontade que os dias não avancem; desprendem-se e seguem deixando-me na ignorância de que uma noite, uma noite destas será a primeira em que o começo a perder. Será de novo a noite mais difícil desde há muito tempo. Já vivi o mesmo sentado ao lado. Já senti os dedos perderem a força de quem não consegue segurar nada de nada. Já me perdi a pensar como será essa noite e porque raio há-de chegar. Porque vai chegar. Como se os dias se levassem por um plano que mais tarde ou mais cedo vai desembocar numa pendente. É uma curva em que subimos o mais que podemos e uma noite destas, uma puta duma noite destas, vamos começar a descer. E se parte de mim não quer essa imagem em pausa, há uma parte que se apoderou do comando e a única coisa que sabe fazer é repetir e repetir e repetir e repetir a mesma imagem vezes sem conta, o mesmo cenário, as mesma possibilidades, os mesmo corredores que não têm luz à noite e onde se ouvem os gritos da idade. Mudos que se ouvem e ecoam e nós surdos que não ouvimos outra coisa senão isso.
Não há banda sonora nesta história. E logo ele que adora música e me ensinou a ouvir de tudo para saber de tudo. São ferramentas, dizia-me tantas vezes e eu, pequeno, não percebia. E são mesmo. É a música que me ajuda e me leva e me trás. A mesma música que os meus filhos cantam vezes sem conta. As notas estão todas lá apesar da ordem poder ser a que lhe quisermos dar. Um dó é um dó e não há dó maior que o de olhar e vê-lo assim.
A mim, que me fez chorar o que escrevia, que me fez chorar de orgulho e de tristeza. A mim, porque um dia largámos a dizer o que não queríamos e chorámos meses baixinho entre um estás bem? e do outro lado, sim.
Doía tanto. E depois passou e ele voltou e voltámos a ser o que sempre fomos.
Ele, o meu pai e eu, o seu filho.

2ª ventania:
Por 3 anos percorri aquelas calçadas sem nunca perder o sentido do que levam e trazem. Não perdi o sentido mas perdi-me e deixei de sentir em mim para sentir ali. Naquele cruzamento mágico onde a luz bate às 3 da tarde e me encostava só para ter o privilégio de poder ali estar. De poder aquecer o corpo e deixar as ideias em lume brado antes de as levar para baixo abrigados do frio.
Por 3 anos subi e desci aqueles degraus vezes sem conta. Aqueles degraus que nunca foram escadas para lado nenhum. Aquelas paredes que não me iludiam na sustentação da estrutura mas me contavam histórias de lágrimas deixadas a correr, de amores ali roçados e de trabalho noite após noite, dia após dia.
Por 3 anos de dia e de noite. Ouvi muito e vi o muito do que podem ser as pessoas; os miúdos apaixonados, os decanos sós que só precisam de quem os ouça.
Por 3 anos ali andei. Quis ser dali, dali mesmo. Daquela pedra partida ao meio. Daquele degrau falhado. Daquela fissura que bem podia parir ideias.
E nesses 3 anos cresci. Nem sempre como se deve crescer mas cresci.

3ª lufada de ar fresco
O que se descobre por acaso faz às vezes melhor à alma que aquilo que procuramos. Há alguma coisa no abismo dos dias que nos faz espreitar para lá das esquinas sem ter medo do que pode ser depois. Como há qualquer coisa nesta noite fria que me faz pensar nas palavras doces que podem ser tão duras como gelo e nas palavras cruas que podem ser tão suaves como o breu.
Há qualquer coisa na dureza de um olhar capaz de destruir um sonho como há qualquer coisa na ternura de um som capaz de fazer explodir um homem.
Há coisas que nos apanham na rede. Somos peixes isentos de guelras que respiram o que sentem. Somos os ventos todos do mar. Somos a soma das coisa e a subtracção do mal. Somo um arco-íris numa viagem de regresso. Somos o sim e o não. Somos o que queremos ser e podemos ser tudo sem ser nada. Somos tudo e somos nada.
Somos de viva voz o que não somos em silêncio. Somos alguém que somos nós sem ninguém dar por isso.
Somos o que quisermos ser sem ter que o ser. Somos o prazer.
Somos a manta no frio da praia a ouvir as ondas. Somos a luz no meio da mata que nos dá o conforto de sabermos onde estamos. Somos a água que rega uma planta e o sol que a faz crescer e tal como o Garrett, nem precisamos de sair do quarto.
Somos o pecado da gula.
Somos o dia. Somos este ar fresco que me arrefece os olhos e me faz chorar. Somos tudo o que queremos sem ninguém nos perguntar. Somos um número por trás do vidro, um nome por trás da porta, uma criança no recreio da alma. Somos a noite. Aberta e fresca como tem que ser. Abafada de mimos e festas e tudo. Aconchegado no meu colo, levo as horas todas comigo para a cama. Deito a cabeça na manhã, na tarde e nos intervalos destes dois. Fecho os olhos. Amanhã é outro tempo de estrear ideias e pensamentos. Mais viagens e caminhos e sorrisos; e se tudo correr bem, carinhos. Mais um pássaro que chilreia na rua quando a lua espreita, solene, nua. Mais uma onda que rebenta e se acaba; e que leva na areia molhada o retrato dos pés de uma criança.
Mais uma ideia que sobe altiva e se perde. Mais uma palavra que se gasta. Mais um sorriso que se aprende. Mais um riso tímido e um deixa lá isso.
Mais um som – sempre as ondas – que ouço ao ir deitar. É sempre o último som antes dos beijos. E é sempre o som dos meus desejos.
Pergunto o que cantarão os pássaros a esta hora da noite e nunca me respondo.
Dispo o dia que fica arrumado e tento dormir. Acordado.

terça-feira, fevereiro 09, 2010

às vezes

Dias e dias vazio. Sem nada de nada, ou melhor, com muito, mas nada de digno. Não que fossem coisas impolutas todas as que costumavam sair.
Já me tinham pedido e pedido e pedido mas andava relutante em voltar. Mas volto, desta vez sem promessas nem cadências. Volto com a mesma vontade de sempre. Com a força mais forte. Mas sem compromissos.
É que aqui ao lado, por trás da porta, o que vejo enche-me, preenche-me e transborda fora do mais que possa amar. Está tudo ali. Deitados no chão e a cantar. Estão ali.
Eram as horas mais bem passadas as que pudesse ficar só a ouvir as vozes doces que me alimentariam. Mas não posso. Ninguém pode. Os dias passam num repente que não damos por ele e ao espelho, às vezes não reconheço o reflexo de um dia e outro.
Passa o hoje, o amanhã – e agora tocam piano – e o que não se fez não se fez. Faz-se depois.
Porque há dias doces de lamber os dedos e outros em que se descobre na crueza das coisas o fascínio de alguém.
Não há uma pessoa do lado de lá, há o mundo inteiro. Não há um amor, há o amor. Não há uma vida. Há isto que é bom todos os dias e às vezes assim assim.
Pela chuva que cai diria que está frio mas não; está bom. Ou então sou eu que estou quente.
Andei tanto tempo para agora dizer tão pouco.
Mas é que soube-me bem este bocadinho aqui ao pé de ti que não me apetece ir embora. Fazes-me falta.
Às vezes bastavam duas frases. Duas frases e já matava o bicho. Às vezes bastava uma ideia pequenina. Era só vê-la aqui que me deixava logo mais feliz.
Podia ser escrita à beira de um abismo, podia ser gritada para se ouvir com eco. Podia ser tanto e tão pouco. Era só querer e a verdade é que às vezes quero e às vezes não.