sexta-feira, julho 30, 2010

Pos-packshot




Há uma tendência natural para endeusar os mortos. Porque depois de nos finarmos, não fazemos mal a ninguém e fomos todos tão bons moços e simpáticos e sem nada a apontar e os uns heróis e em suma, os maiores.
Há uma tendência que no fundo não passa de uma grande balela – para não dizer, uma hipocrisia de merda. Nem tanto ao mar, nem tanto à terra.
Morreu António Feio. Actor, encenador, comediante, professor e antes de tudo isto, um homem persistente com uma graça natural do caraças.
Conheci – porque cresci com eles – os personagens que levou à cena. Os bonecos quase todos. Da Vila Faia ao Tóni foram muitos. Da televisão ao Teatro, do cinema ao stand-up. Nunca privei com o homem mas uma vez estive com ele uma manhã em estúdio para a gravação de um spot qualquer. E quem conheci nesse dia foi um tipo simples com ar simpático e cheio de histórias.
Eu, que não sou gajo para ficar calado, lá lhe fui perguntando sobre peças que tinha visto, reacções, surpresas.
Conversa boa e desprendida.
E depois começou a falar de coisas que queria fazer, que tinha visto em Londres uma peça e que a gostava de trazer para Portugal. Ah sim? O quê? É uma coisa dos Monty Python. Se na altura houvesse facebook e um botão em rodapé no discurso de cada um de nós, tinha disparado logo um Like.
Falámos mais um bocado. Entrámos em estúdio, gravou o que tinha a gravar, aperto de mão e um Obrigado. Meu e dele.
E foi isto.
Não faço juízos de valor nem de carácter. Não tenho carta para isso e não é 1 hora e meia que faz a vida de um gajo.
Gostava do actor. Gostava dos bonecos.
E sorte filha da puta, teve o azar de abrir a porta a uma doença que conheço bem demais. Não é justo para ninguém e muito menos para quem nos faz rir.

3 comentários:

Ana Princesa disse...

a frase dele lá em cima faz todo o sentido.
Estamo-nos sempre a queixar e num piscar de olhos podemos perder tudo.
É quando percebemos a nossa insignificância.

(Boas férias)

A estante vazia disse...

tive fé... que alguém, nem que fosse por ser conhecido, conseguisse enganá-LA. não é justo amiguinho. é um "estar à mercê" absolutamente desnecessário... nice holidays. beijo

Carla Veríssimo disse...

Depois de ler o livro Aproveitem a vida, muita tinta correu na minha caneta... que é como quem diz, no meu lápis...
Para quem quiser:
http://evirgula.blogspot.com/2010/10/para-antonio-feio.html

Aqui fica...
Para sempre: O António entre nós.