Não sei se inato é o termo certo. Se é droga, vício. Necessidade talvez. Não sei bem explicar mas é uma vontade enorme esta que me dá de vez em quando. As palavras perecem acumular-se caixote acima. Uma e mais outra. E outra palavra e mais uma ideia. Vou escrever então.
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Ideias que se vão formando por motivo nenhum. Pequenos momentos.
Pode ser o sol, o céu, o ar por cima de mim.
Pode ser uma fotografia que tentei tirar de Lisboa até casa sem nunca ter apanhado o ângulo que queria, a luz que queria e acabou por sair isto.
Era aquele vermelho sangue – mas do bom. Daquele que diz que o dia a seguir vai ser quente. Pode ser um semáforo vermelho que queria fazer funcionar para fazer parar o tempo e olhar... olhar infinatamente para lado nenhum. Só aquele tom vermelho. Só aquele azul celeste do fim do dia. Só eu.
Era uma hora de faz de conta que o dia acabou. De vamos embora para casa receber um abraço enorme de uns braços pequeninos e um beijo grande de uma mulher quase mãe outra vez.
Era hora do banho. Dos sorrisos e dos risos.
Da água quente que é quente e fria que é fria e que as duas juntas sabem tão bem. Hoje foi dia de tomar banho de pé como os crescidos. Como o pai e a mãe.
Ontem foi dia de ver o mano na ecografia e perguntar: e eu? Tu já aqui estás filha. E eu? E eu?
Não consegui articular um raciocínio a tempo porque ela fugiu a rir e aos saltos. Já estava noutra.
É este desejo de que a noite não acabe sem começar e não começe tão funda sem desligar a cabeça.
Este desejo grande de amontoar à toa palavras e mais palavras - que remédio doce este.
É este café surpresa em cima da mesa virada para o mar que me sabe tão bem.
É o cinzeiro que teima em não funcionar como quero e o feriado aí à porta.
É o fumo deste cigarro novo que me envolve como se o vento soprasse à minha volta menos aqui.
É a lua quase cheia que ilumina a água da noite.
São as distâncias. A vontade de ir e voltar. O mistério da pressão que faz voar aqueles gigantes de aço. Dos ventos que fazem andar um barco em todas as direcções.
Tudo isto me faz escrever.
E a minha filha que – temo – perca um dia o nome de tanto ser pim pim. São as palavras novas, as ideias claras.
O jogo do sério a seguir a jantar que não consegue jogar porque se perde de riso com o sorriso escondido da mãe.
É o dormir. Aquela coisa pequenina que me apetece tirar da cama só para sentir ao meu colo e dar beijos até de manhã.
O mistério que é querer deixar aqui um bocado meu todos os dias.
Dá vontade de não parar. De encher páginas e páginas de mim.
É o medo de me entregar para que toda a gente me leia.
Pessoas que eu nunca vi e outras que vejo todos os dias. Pareço outro aqui mas sou o mesmo. Não se ouve a minha respiração. Não se sente o meu cheiro. Não me sentem.
Não me tocam.
Ninguém do outro lado me vê e toda a gente sabe quem eu sou.
3 comentários:
Cada día me gusta más leer en portugués y sólo lamento no conseguir entenderlo todo.
¿Me mandarás una foto de pim-pim al e-mail de la oficina? A ti y a J ya os conozco por el Organization M, pero no puedo ponerle cara a la pequeñita.
Si no quieres no pasa nada, pero me hace mucha ilusión.
Gracias.
Un abrzo.
Marion
Acabamos por ser todos alma sem cara.
nao e nunca a desilusao de ler as tuas palavras.
e acredita que deste lado sabe muito bem, muito embora 99% das vezes as lagrimas aflorem.
e a vontade de crescer e viver isto tudo, a vontade de me conseguir relacionar com cada palavra.
beijo
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