
Já
aqui diversas vezes se elogiou o banal. Curiosamente, foi sempre a propósito do mesmo tema: a pim-pim. Provavelmente é a inocência das crianças que nos leva ao mais puro dos olhares, mas não é só. São também as histórias menos felizes, as desilusões, os reveses da vida. E é disso, é sobre isso que me apetece falar. Não sobre as agruras, as desilusões ou os reveses, mas sim sobre o que isso nos pode ensinar. Melhor; sobre o que isso me pode ensinar.
Às vezes são as coisas mais pequenas as que mais nos obrigam a olhar para isto tudo com outros olhos.
São as mãos dela encostadas ao rosto quando dorme, os dedos pequenos dobrados numa paz tranquila e tranquilizante. E são as mãos da mãe. São iguais. É o doce cheiro da pim-pim a seguir ao banho - e esse é único. Faz-me pensar no quanto vale a pena esta rendição diária em prol de um carro, de uma casa com vista para o mar e de milhas e mais milhas no passaporte. e depois há sempre aquela ideia do Alentejo. Quente e despovoado. Puro. Feito de rugas e tempo e mais tempo. Há sempre a vontade de ir e deixar para trás isto tudo.
Gradualmente cresce em mim uma vontade de ter mais tempo para ver crescer a minha filha em detrimento da conta bancária.
Ver as flores, as nuvens. Olhar para o céu sem parecer um doido no meio de uma avenida a olhar para o ar. Não é só o ar. É o tempo todo do mundo numa nesga de sol.
Às vezes dá vontade de parar tudo e deixar o olhar percorrer para lá da janela o mundo todo sem ter que acabar de o ver à pressa para se mandar um e-mail e ligar ao cliente simpático que nos vai dizer banalidades que não queremos ouvir. Até porque nem temos tempo. às tantas o homem até tem algo de interessante para dizer. Mas eu não tenho tempo. Quero chegar a casa cedo para brincar um bocadinho com a princesa antes que a mãe nos mande ir tomar banho. Quero ter tempo para dois abraços grandes e apertados. Para dizer amo-te a uma e amo-te a outra. Em tempos diferentes. Cada uma a seu tempo, a seu ritmo próprio. Isto em vez de um amo-te muito - de fugida - com a mais pequena ao colo com ciúmes do beijo que dei à mãe.
Não consigo dormir mais de 6 horas por dia. Sinto sempre que há mais alguma coisa a pensar, a escrever, a programar, a ver. Há mais um pedaço de informação que pode fazer falta. Mais um cigarro para fumar à varanda. Mais dois barcos que se cruzam na barra do Tejo. Quem vai lá? Quantos são? São felizes? Vêm de onde? Para onde é que vão? Há sempre um turbilhão de ideias para pôr no papel, para escrever no [ai-dia], no bic cristal. Há sempre um milhão de páginas por abrir na Internet. Pessoas e mais pessoas que cruzam os olhos com os meus e outras tantas que nem sequer me viram passar. que história terão para contar? que histórias lhes vão na cabeça? Com o que é que sonham? Percebem o mundo como eu? Vendem-se como eu? O que é que querem?
Passo por ti na auto-estrada. És tu? Podias ser sabias? Nós não nos conhecemos. Não sabemos quem somos. Estes todos que aqui andamos. Vamos aqui deixando lágrimas e suspiros. Sorrisos e gritos surdos que acabamos por nunca dar. Qual é o preço disto tudo afinal? Desta falta de mimo latente, crescente; quanto custa isto tudo? Quanto nos custa? Há quanto tempo não olhas lá para fora e te deixas levar por uma estrela? Quantas vezes não te apeteceu já parar o carro na marginal para ver o sol pôr-se ao longe? Gozar só uma vez aquele bocadinho de magia? Não perder os olhos nos carros da frente e nos de trás. Quantas vezes te apetecia acordar cedo para beberes o dia todo? Sorver cada gota de sol? Abraçar cada pedaço de vento? Quantas?
Cada folha de árvore seca é uma vida que já foi forte e que acabou. Cada pedra que cabe na palma da tua mão já foi um bocadinho do mundo.
Há quanto tempo não vês as flores?