Ser pai é uma experiência altamente complexa.
De todas – e vivi algumas – é sem margem para dúvidas aquela que nos põe em perspectiva tudo.
Não só o que com eles se relaciona mas tudo.
Todos os pequenos gestos, todas as palavras, todos as acções.
Não sinto que me tenha anulado enquanto
indivíduo e que seja apenas pai. Não sou. Sou homem, cidadão, marido, colega e
tudo o que mais cabe em mim enquanto ser pensante e enquanto pessoa integrado
numa miríade de conjuntos com outras pessoas.
Mas ser pai obrigou-me definitivamente a olhar
para mais longe. A pensar mais além, a antecipar, a prever.
Ser pai obrigou-me a medir as mudanças levando
em linha de conta as suas vidas – e não apenas a minha.
E é por ser pai que no próximo sábado me vou
manifestar.
Não é por mim; é por eles.
Porque eu trabalho há mais de 20 anos e
desconto há mais de 20 anos.
Porque consegui (com sorte e audácia e coragem
e felicidade e sei lá que mais) trabalhar em áreas e projectos que me fizeram
feliz e me pagaram as contas e me permitiram ter uma vida sem ter de olhar
constantemente para a coluna da direita no menu do restaurante.
Porque quando sai de casa do meu pai para ir
viver com a pessoa que amava (e que amo), fizemo-lo com as contas aos salários
e foi com a mesma folha de papel, rabiscando e alterando valores, que mudámos
de casa, comprámos carros, fomos de férias, fizemos viagens, tivemos 2 filhos.
Porque nós temos idade para sobreviver seja de
que forma for e por isso, não é por mim, não é por nós que me insurjo. É por
eles.
Porque fui enganado e roubado. Porque me
obrigaram a refazer as contas sem que me tenha enganado a fazê-las.
Porque me obrigaram a olhar ainda mais à
frente e a perceber uma tremenda incógnita.
Não é por mim que me manifesto nem é por mim que escrevo. É
por eles. Porque o meu trabalho e os meus descontos de mais de 20 anos mais os
anos que ainda vou trabalhar deveriam garantir o meu futuro e deveriam deixar
que os meus filhos escrevessem o deles.
Não deveria ser uma corja de interesses
instalados a hipotecar os seus sonhos.. Com que direito?
Foram eleitos para governar hoje. Não foram
eleitos para governar a pensar que em 2020 alguém pagará as facturas.
Foram eleitos para resolver hoje os problemas
de hoje. Com medidas à medida de hoje. Com equidade e com respeito. Com um
olhar crítico sobre a sociedade. Com a capacidade de auto crítica que nunca
tiveram.
Não são capazes.
Não me interessa quem provocou o problema.
(para o caso, quem governa hoje foi quem governou no passado intercalando com o
maior partido da oposição entre arranjinhos e jantaradas).
Vão à merda e tenham vergonha.
Há pessoas desesperadas. Há quem comece a ter
fome. Vê-se nas ruas.
As pessoas têm medo e quando as pessoas têm
medo, fazem o que não fariam em situações normais.
Façam a vossa parte. Tomem medidas que façam a
diferença. Ponham os olhos noutros países.
Não peçam às pessoas coragem e paciência. Tenham
vocês a coragem de dizer “basta” às corporações e aos interesses instalados. Tenham
a coragem de condenar meia dúzia de
gente suja. Tenham a coragem de dar o exemplo. Cortem nos carros, nas despesas
de representação. Não resolve nada? Pois não, mas dão o exemplo. Mostram que
estão com as pessoas e não contra as pessoas.
A continuar tudo como está, terão cada vez
mais pessoas contra vocês.
Não é por mim que sinto a revolta, é por eles.
Porque eles vão crescer num país que não os
quer, que os manda embora, que lhes dá sinais que não querer que a justiça
funcione, que os tribunais julguem de forma independente. A continuar tudo como
está – e não há sinais de mudança – vão crescer num país só para alguns.
A continuar tudo como está, correm até o risco
de crescer noutro país. Por isso sábado, quando sair de
casa e eles me perguntarem onde é que vou, eu vou responder-lhes que vou dar 2
gritos de revolta e tentar fazer alguma coisa. Não é por mim; é por eles.