Na minha rua há 2 pássaros pretos que esvoaçam
por entre os arbustos sempre que os vejo. Não sei se é o seu modo de ser ou se
é o que fazem por fazer. A verdade é que seja manhã cedo ou noite funda, lá estão
eles. Chilreiam por tudo e por nada e às vezes, quando me apetece ouvi-los,
calam-se, como se brincassem comigo.
E seja da forma que forem os dias, lá estão eles
atrás um do outro sem saber que para mim, estes têm sido meses turbulentos – e
truculentos.
Chuva intensa que me apanha na curva dos dias
e que não previ. Às vezes tempestades e granizo. Mas, por convicção ou pura
ingenuidade, lá mais à frente vejo sempre um arco-íris, um raio de sol por
entre as nuvens. Um acreditar sem saber muito bem em quê.
Ainda assim, a crise dos mercados, o
desemprego, o banco central europeu e uma data de instituições que governam
agora o meu país, fazem-me vergar a cabeça com as preocupações que carrego.
São as bolsas oscilantes, os mercados
emergentes, os ratings inconsequentes e acima de tudo, as saídas que parecem
inexistentes. Tudo levo e trago comigo um dia inteiro entre os intervalos da
cama. Tudo é preocupação, inquietação, indignação.
O esgrimir de argumentos surdos entre governo
e oposição, o desembainhar de razões em programas de televisão, o assombro do
desplante de uns tantos e a aparente tranquilidade de uns quantos; tudo numa
manhã e 2 noticiários ouvidos à pressa.
É uma sombra que só se quebra com os amigos, com
a mulher de sempre e com os miúdos. Esses sim. Esses são só luz. Brilham até a
dormir.
Levam-me para os seus mundos inventados de
jogos de bola improvisados. De golos marcados de livre directo de uma ponta à
outra de um quarto. De casas de bonecas e castelos, de dragões, vilões e “aqui
temos o desenho de um tigre muito feroz e aqui temos o barco de um pirata e
este és tu e esta é a mãe, esta aqui é a mana e este sou eu pendurado no barco.
E aqui é um tubarão... vês os dentes?”.
Já ouviram falar do estado em que se encontra
a economia e da crise mas essa conversa séria de gente crescida “que vocês já
têm idade para entender” não passa disso mesmo, de uma conversa; é mais um tema
que, como dizia ela hoje ao jantar: “é giro; nós começamos a falar de uma coisa
e acabamos sempre a falar de outra e pelo meio falamos de montes de coisas diferentes”.
Pois é. E este é apenas mais um tema entre um
barco pirata que voa carregado de monstros por entre as princesas e dois cromos
da liga dos campeões que já acabou.
Não há maneira de os fazer parar de sonhar.
Nem eu queria. Fazer aterrar duas cabeças brilhantes que voam sem espaço aéreo
definido seria como fazer calar os pássaros da minha rua e para eles, também não
há crise. Só o voar entre os arbustos, seja manhã cedo ou noite funda.