Não me preocupa muito o que os outros pensam de nós.
Chateia-me isso sim, o que nós pensamos de nós. Aborrecem-me as mentiras, o atirar de culpas, o eterno solucionar com o futuro para que no futuro alguém encontre as soluções que não fomos capazes de encontrar até agora.
Irrita-me o discurso cuidado, ensaiado; a máscara sem pudor que se mostra como se de uma pele se tratasse.
Porque eu posso dizer os disparates todos, todos os dislates, os maiores palavrões e as asneiras mais escabrosas. Eu não sou uma figura público-político-pseudo-iluminada. Eu sou nada. Sou mais um. Eu até posso dizer que se discutem pintelhos em vez de assuntos sérios, eu até posso ter soluções de algibeira, ideias mirabolantes de fazer baixar o endividamento público, dizer que baixo os impostos que subo a receita e que aniquilo a despesa do estado com três medidas.... e meia. Que faço aumentar as exportações em quatorze virgula sete.
Eu posso dizer o que quiser que eu sou ninguém. E por isso é indiferente que qualquer das minhas medidas fique aquém.
Mas assim não. A brincar é que não. Basta o que basta. Se é para nos responsabilizarmos que sejamos todos. Que se mudem as regras.
Ou então que se assuma que somos assim. Que a contextualização histórica nos moldou. Que os mouros nos deixaram os números mas que precisamos de um tradutor de serviço que os explique. Que o nosso papel geo-estratégico foi um erro de casting e que de facto, os 500 anos de ensaios não correram bem; que se entregue a outro.
Porque até os mais empedernidos começam a ter dificuldade em encontrar justificações. A segunda guerra passou-nos ao lado, a revolução passou de mansinho e nós, vamos passando de mansinho pelos dias.
Agora vem 5 de Junho de mais um mês de verão que há-de ser bom para a praia e que vai ter menos gente interessada que aquela a quem tudo isto interessa. Porque nada é claro. Nem esquerda nem direita. Nem liberalismo económico, neo-liberalismo, socialismo dentro e fora da gaveta. O problema acaba por nem ser a peça de mobiliário. Acabam por ficar as ideias todas no armário. Acaba por ficar tudo a meio de coisa nenhuma e nós, no meio disto tudo sem saber onde nos arrumar.
Pela primeira vez - eu, que sou de paixões e convicções - fico dividido entre o discurso dos analistas e a análise dos taxistas. Fico a pensar que o último a sair seria um mau programa se não fosse tão bom. Há ali qualquer coisa de genial. Qualquer coisa de imoralmente genuíno. Há ali material humano apaixonante. Que é tudo o que tem faltado nestes dias cinzentos. Convicção, acreditar, amar, pensar. O querer um projecto. O idealizar.
Falta-me sentir que alguém se importa e que quem se importa pode fazer a diferença. Porque há diferenças. Não chega um mundo de ideais que se apoiam numa ideia só. Não chega o desejo comum a todos de acabar com o sofrimento dos animais. São sãos mas são ideais isolados e isolados estamos tramados.
É preciso encontrar o elemento agregador. O cimento disto tudo. É preciso um trolha que meta a mão na massa e que se junte a outro que saiba pintar e a mais outro que não se importe de acartar. É preciso acreditar e acima de tudo, é preciso querer.
Porque nós sabemos. E fazemos tão bem ou melhor que outro qualquer. Somos capazes de inovar, de criar com todas as dificuldades. De aproveitar as adversidades e de as transformar em oportunidades. E o tempo de o fazer é agora. Quem não quiser vai embora. Quem não acreditar que se ponha andar. E a nós, os que acreditam que é possível, os que acreditam que isto tem que melhorar, ajudem-nos a ajudar. Levantem as bandeiras e digam-nos que este é o caminho certo. Que é por aqui e que quando formos, cheguemos a algum lugar.